Um dia vagavam dois equinos: um bastante viril, machão, pelos esbranquiçados, ar de petulância; o outro (por que não: a outra?) representava a fêmea , pelos rabugentos, pois minutos antes tivera se espojado na estrada de barro vermelho; ambos seguem mudos pelo caminho de uma madrugada rural, em que se pode ouvir a própria respiração. De repente, ele deseja um orgasmo e, como um relâmpago, se aproxima dela, morde-a, sente o cheiro do sexo e pratica-o com ela que, passivamente, não reage. Ali não há razão, o pecado para eles não existe. Depois, minutos depois, cada um segue o seu destino desconhecido, sem culpas nem satisfações a dar um ao outro... Eles não têm nomes, parece que nunca se viram. Não! Ali nada acontecera! A emoção, o amor, o afeto, o carinho, o reclinar da cabeça no peito, o sussurrar morno e doce do “Eu te amo”... Nada disso existe! É um mero fenômeno naturalista, foram desejos momentâneos que vem e vai... Acabou! E continuo a pensar... Só os irracionais vivem essa efemeridade? Fiquei a lembrar dos amigos e das amigas que tenho (ou que tive?). Não pelo sexo (pois a essência da amizade não pode ser contaminada pelo vírus de um desejo repentino), mas pela vulnerabilidade das coisas, pela maneira como nos aproximamos daqueles que nos são semelhantes, confiamos os nossos segredos, lamentamos os conflitos da vida, conversamos sobre assuntos comuns, compartilhamos boas risadas e a eles dizemos até o indizível! E basta uma pequena variação circustancial como um emprego novo ou a mudança para um bairro próximo que com esta mesma facilidade, nos afastamos dessas pessoas que outrora foram "tão importantes" para nós. Às vezes, tenho até a impressão de que nunca as conheci! E continuo a pensar... Vivemos atualmente o dilúvio da indiferença. Não uma indiferença irracional como o fazem os equinos, mas uma indiferença hipócrita e regada a interesses em comum pautados pelo virus letal da individualidade
Valfrido Nunes, adaptado por Olivaldo Jr.
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